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Trinta por uma linha

Trinta por uma linha

Mulher em frente ao espelho

07.02.17 | António Mota

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Este quadro de Picasso que se entitula de Mulher em frente ao espelho representa para mim muitas das questões que se passam no nosso dia-a-dia, no interior do nosso ser. Sem querer optar pelas interpretações mais comuns e oficiais desta obra, prefiro olhar para ela como reflexo do que se passa na nossa sociedade, nos dias que correm. Na minha opinião, as nossas prioridades estão de tal forma trocadas, damos tanta importância àquilo que os outros afirmam acerca de nós, que temos cada vez mais dificuldades em ver o nosso próprio eu. De tal modo que, olhamos para o espelho e o que vimos não é, nem de perto de longe, o que lá está. Perdemos a noção daquilo que verdadeiramente somos, das nossas potencialidades, das nossas virtudes, das nossas múltiplas belezas. A imagem tornou-se tão importante nos dias que correm que chega a fazer com que fiquemos doentes se não gostamos daquilo que vemos em nós. E, então, olhamo-nos ao espelho e vemos uma cara triste em vez de um sorriso, um lado negro, em vez de uma face pura e inocente. Vemos o nosso corpo desproporcionado e a nossa mente desvirtuada e cada vez mais desiludida. É como se uma cegueira se apoderasse de nós e não nos permitisse ver o que realmente lá está. E a cegueira vai perdurar, só deixando de existir, quando nós próprios pensarmos por nossa cabeça. Quando formos nós a estipular quais são os padrões e os modelos que devemos de seguir, quais são merecedores do nosso respeito e da nossa empatia. 

Não deixemos então que nos definam, que nos digam quem somos e como devemos aparentar, sejamos nós os nossos donos, afirmando orgulhosamente as nossas virtudes e defeitos, sem nos moldarmos àquilo que esperam de nós. E aí sim, seremos nós próprios a construir o nosso ser, abandonaremos a corrente e pensaremos livremente. O espelho, ou o retrato, no caso de Dorian Gray, não refletirá o melhor ou o pior de nós, será apenas o reflexo daquilo escolhemos ser e isso representará a nossa verdadeira liberdade.

Os meus Sancho Pança e D. Quixote

06.02.17 | António Mota

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Desde que me recordo, sempre existiram na minha personalidade grandes contendas. Sentia como se a cada dia que passasse e a cada decisão que tomasse estaria a definir o meu futuro eu. Talvez por isso, sempre me tenha conhecido como um indeciso de primeira. De cada vez que era necessária uma decisão, era um Deus nos acuda. Ainda hoje assim é. A minha avó dizia-me muitas vezes que cada um se haveria de deitar na cama que fizesse e, por isso, eu queria fazer tudo bem. Dentro da minha educação cristã, eu pensava, e penso, qual seria a melhor decisão a tomar, qual a escolha mais justa a ser feita. Eu queria ser uma boa pessoa, queria ser coerente nas minhas ações e, por isso, tinha sempre de ponderar muito bem antes de agir. Ora, um dos grandes conflitos que, desde sempre, existiu, dentro de mim, estabelecia-se entre o materialismo e consumismo a que sempre me senti atraído e o idealismo ou espiritualismo que deveria guiar a minha conduta. E que eu, como homem íntegro e de bons princípios deveria seguir, se quisesse deixar a minha cama bem feita. Com quinze anos, graças a Almeida Garrett e às suas Viagens na minha terra pude nomear esse meu conflito, isto é, atribuir nomes aos dois lados da batalha que dentro de mim lutavam. Ao longo da narrativa, Garrett faz várias referências às duas principais personagens da obra D. Quixote de la Mancha de Miguel Cervantes: D. Quixote e o seu servente Sancho Pança. Pois bem, se D. Quixote representava o idealismo, o espiritualismo, o completo desprendimento dos valores terrenos, Sancho representava o oposto. Era este que, a meio dos desvarios daquele, o puxava para a terra, o obrigava a deixar a terra dos sonhos, onde combatia moinhos em forma de monstros e procurava a sua amada Dulcineia. Era Sancho, o amante dos vícios mundanos que contra-balançava o idealismo exagerado de D.Quixote.

Daí em diante, já sabia que nome lhes havia de dar. Sempre que sentia uma vontade súbdita de gastar mais do que queria em computadores, consolas, jogos e roupas, sabia que o Sancho estava a ganhar. Mas eu não podia deixar, porque os meus princípios, o D. Quixote, tinham uma palavra a dizer. E então tentava encontrar um equilíbrio, ou, melhor ainda, resolver de vez a disputa. 

Ora, por muito que me custe desapontar os meus fiéis leitores, com trinta e um anos, continuo igual. Continuo a desejar o último modelo do iPhone, a gastar mais dinheiro do que o necessário em camisolas, sapatos e casacos e de cada vez que o faço, não me arrependo, mas penso para comigo e digo "Tenho de me controlar, tenho de me ficar pelo estritamente necessário". Digo muitas vezes, mas não tem resultado. Por isso ainda me considero um pequeno consumista que dá mais valor às aparências do que devia. O Sancho vai à frente, mas D. Quixote não dorme e lembra-me do que é realmente importante. E assim, apesar de me dar uma satisfação enorme comprar prendas para mim próprio, para a minha casa e para a minha esposa, também tenho consciência de que o que é realmente importante são coisas que não se podem comprar e são aquelas que nos trazem a verdadeira felicidade. 

Um certo romance

05.02.17 | António Mota

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Confiando, Acreditando, Procurando e Perseverando

Sem medo de eventuais críticas ao omnipresente egotismo exacerbado, que sempre me persegue, decidi escolher um tema controverso para trazer a lume.
 
Durante toda a minha vida senti uma atracção irresistível pela questionação do nosso ser, pelo valor que este tem para nós, pelo peso que este pode vir a exercer na nossa tomada de decisões e, claro está, pela aceitação ou não por parte da sociedade. Nunca fui capaz de nutrir falsas modéstias nem de aceitar elogios injustos. Conjuntamente, jamais fui capaz de colocar o meu eu como um aparte no teatro da minha vida. Não afirmo que vivo só para mim, nem que a presença do outro que é próximo, não seja importante, o que sustento é que toda a nossa existência vai derivar da forma como nos olhamos, da maneira como nos gostamos e do quanto nos preservamos. Quero viver uma constante transcendência do meu ser, sem medo de ruir e inundar. Quero que o meu ânimo seja forte e inquebrável, pois só assim, só melhorando a cada minuto que passa vou conseguir fazer os que me rodeiam sentirem-se tão felizes como eu. Na minha opinião, devemos levar a vida sem nunca esquecer o ego e a auto-estima, pois o desleixo daquele e o desprezo desta não levam a uma vida em função dos outros, como tantos argúem, mas a uma vida plena do nada. Portanto, confesso que não acredito em pessoas sem confiança, sem atitude, sem ânimo e sem vontade. Não me sinto atraído por egos fracos e sem autonomia. No fundo, penso que só temos a ganhar em viver este nosso próprio romance, o de nos criarmos e recriarmos a cada dia que passa, o de nos preocuparmos com os caminhos que trilhamos, o de vivermos os outros, com base na forma que existimos. Não defendo assim uma forma narcísica de olhar a realidade, apenas critico aqueles que só olham para os outros, porque têm medo de se ver. Nunca seremos nós, enquanto contemplarmos os outros.

A Revolução da Bondade

04.02.17 | António Mota

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Acho que a grande revolução seria a revolução da bondade. Se nós, de um dia para o outro, nos descobríssemos bons, os problemas do mundo estariam resolvidos. Claro que isso nem é uma utopia, é um disparate. Mas a consciência de que isso não acontecerá, não nos deve impedir, cada um consigo mesmo, de fazer tudo o que pode para reger-se por princípios éticos. Pelo menos a sua passagem pelo este mundo não terá sido inútil e, mesmo que não seja extremamente útil, não terá sido perniciosa. Quando nós olhamos para o estado em que o mundo se encontra, damo-nos conta de que há milhares e milhares de seres humanos que fizeram da sua vida uma sistemática acção perniciosa contra o resto da humanidade. Nem é preciso dar-lhes nomes.

José Saramago

 

Fica aqui a reflexão de José Saramago. Não custa limitarmo-nos a tentar encontrar a bondade que existe dentro de nós e deixá-la sair, para que os outros possam ver nela, a que eles próprios possuem dentro deles.

Aos cinquenta e quatro

03.02.17 | António Mota

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Quando eu tiver 54 anos, gostava mesmo de ser capaz de cantar esta música. Não digo cantar afinado e respeitar tons, timbres e ritmos. Quero ser capaz, do alto dos meus 54 anos, de sentir cada um dos versos da letra, sentindo-os como verdadeiros. Não quero sentir que o fim está perto, nem que a cortina está a descer, pois espero viver uns bons anos para lá dos 54. Mas quero que, com essa idade, eu possa dizer, como Frank Sinatra disse, quando cantou a música pela primeira vez, com essa mesma idade, que viveu uma vida cheia, que viajou tudo o que tinha para viajar e que, no fundo, amou tudo o que tinha para amar. Direi que ri e que chorei. Também direi, espero eu, tal como ele disse, que houve alturas em que ultrapassei limites, exagerei, em que ambicionei mais do que poderia ter. Lembrarei empurrões que me abalaram, me tiraram o equilíbrio e uns quantos desvios que quase me faziam sair da rota, mas lembrarei também que nunca virei a face a esses mesmos momentos e os enfrentei a todos, sem que nunca me conseguissem vergar. Espero poder olhar para trás e relembrar tudo com um sorriso no rosto, porque acima de tudo, poderei dizer bem alto, para que não fiquem quaisquer tipo de dúvidas, que tudo o que fiz, vivi, sofri, tudo o que alcancei e falhei foi sempre, e sem nenhuma exceção, à minha maneira.

 

 

 

Amizade de trazer por casa

02.02.17 | António Mota

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Rara é a noite em que não recebo algum amigo em minha casa. Ou para ver um jogo de futebol, um filme ou apenas para conversarmos. Poucos são os fins de semana, por outro lado, que não convidamos alguém para jantar. A minha esposa gosta de cozinhar, eu ajudo na restante logística e lá organizamos outra noite no conforto do nosso lar. Desde muito novos, fomos habituados a estar com os amigos quase todos os dias, especialmente ao fim de semana e, talvez por isso, achamos que não era por nos casarmos e passarmos a viver juntos que isso haveria de deixar de acontecer. As pessoas admiram-se e os próprios convidados dizem-nos muitas vezes que não acham normal a quantidade de vezes que vêm a nossa casa. Nós achamos perfeitamente normal e, contrariamente ao que se possa pensar, também não é por não nos suportarmos um ao outro que convidamos alguém. Ainda que o casamento tenha um pouco menos de dois anos, isto é, é ainda muito recente, como qualquer casal gostamos de estar sós e de termos os nossos momentos. Por outro lado, e como também já referi, eu e a minha esposa damos muito valor à amizade. Desde cedo aprendemos a viver as alegrias e tristezas dos nossos amigos como se fossem nossas, dando-lhes apoio quando precisam ou festejando com eles quando se justifica. Olhamos para o conceito de amizade como sendo nuclear nas nossas vidas, sentimos que se não formos capazes de partilhar, se não nos mostrarmos disponíveis para os que nos são próximos, não estaremos a ser justo para com a nossa natureza humana. Nascemos para vivermos rodeados uns dos outros e as nossas vidas tornam-se, de facto, mais preenchidas se tivermos quem nos ajude quando precisamos, se tivermos quem nos faça companhia quando nos sentimos mais sós. Não gostamos de falhar com os nossos amigos e queremos para eles tanto como queremos para nós. Sabemos que só assim, vivendo uma vida de partilha e solidariedade sentiremos a vida em pleno. Ao nos fecharmos, mesmo sem querermos, deixamos um vazio que precisa de ser preenchido e não é com virtualidades que o conseguiremos. Para sentirmos o nosso ser em pleno, precisamos de nos abrir, de estar dispostos a dar, a estender uma mão, a oferecer um abraço. Só assim, estaremos a viver no verdadeiro sentido da palavra. Quando se escolhe viver de si e para si, algo de muito errado se passa, as prioridades estão trocadas, pois só rodeado de quem gostamos conseguiremos ser verdadeiramente felizes.

Zorro!!!

01.02.17 | António Mota

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Adoro esta música. Vão-me dizer que é demasiado comercial e que não traz consigo nenhuma mensagem subliminar. Mas não quero saber. Identifico-me muito com ela. Traduz na perfeição a intimidade que deve ser sentida por um casal e a forma como essa intimidade é traduzida é simplesmente desarmante. As referências e as metáforas da cultura pop utilizadas são, ao mesmo tempo, comuns mas também belas e originais. E, pronto, não há como negar que muitas vezes me sinto um verdadeiro zorro de espada e capote (lá estou eu com os heróis da banda desenhada) a querer fazer Z's dentro do decote da minha mais que tudo. E depois, claro está, revejo-me no refrão que não precisa de explicações:

 

Eu quero passar contigo de braço dado
E a rua toda de olho arregalado
A perguntar como é que conseguiu
Eu puxo da humildade da minha pessoa
Digo da forma que menos magoa
«Foi fácil. Ela é que pediu!»

 

A juntar a isto tudo, temos ainda a voz fabulosa de Zambujo com um timbre inigualável, que parece saído de uma mistura luso-brasileiro-africana. Absolutamente geniais composição e intérprete. 

 

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