Leiam, malandros, leiam!
Enquanto professor de português, tenho algumas dificuldades em explicar aos meus alunos a verdadeira importância de eles adquirirem hábitos de leitura desde tenra idade. Este é aquele tipo de conversa que eles já ouviram tantas vezes, pela boca de tanta gente que já não lhes diz nada. É quase como que um medicamento que já foi tomado tantas vezes que já não faz efeito, uma vez que o vírus já desenvolveu defesas.
Com a plena consciência de que o conselho não vai ser acatado facilmente, tenho, nos últimos tempos, refletido sobre uma nova forma de lhes apresentar o problema. Assim, recentemente digo-lhes que o importante é estarmos em contacto com a língua, quer sob a sua forma oral, quer sob a sua forma escrita. Peço-lhes que olhem para a sua capacidade de ler e escrever em português como se de um desporto se tratasse. Imaginem que quero ser capaz de correr a maratona, digo-lhes eu. Tenho certamente que começar a treinar com muita antecedência e com muita frequência. Se ao fim do primeiro mês correr cinco quilómetros, ao fim do segundo já conseguirei correr dez. Da mesma forma, quanto mais em contacto estiverem com a língua, neste caso, quanto mais eles lerem, melhores falantes, leitores e escritores se tornarão. Na verdade, a mensagem que quero passar é que este é um treino como outro qualquer.
Por outro lado, também lhes digo que, apesar de haver um conjunto de obras que terão de ler, são eles próprios que devem procurar e decidir quais são as suas leituras, quais são os livros, revistas e jornais do seu interesse. Porque o que importa é ler.
Passava-se exatamente o mesmo caso comigo, quando tinha catorze anos. Não ia muito à bola com a leitura, porque, como eles, tinha jogos e brincadeiras que me interessavam muito mais. No entanto, um tio meu ofereceu-me um pequeno livro que cativou o meu interesse apenas com o seu título. O livro era "A crónica dos bons malandros" de Mário Zambujal e contava, de uma forma muito original, leve e divertida, a história de uma quadrilha que estava a preparar o assalto do século. O primeiro capítulo apresentava-nos a situação inicial e, daí em diante, cada capítulo tinha, como título, o nome de uma personagem, contando a história da sua vida até chegar ao ponto em que se encontravam no início do livro. A cada um dos larápios era atribuída uma alcunha que, regra geral, escondia por detrás uma história muito engraçada. Comecei a ler e só parei quando o livro acabou. Foi uma tarde bem passada e o mais importante de tudo foi a impressão que me deixou, a ideia de que os livros também escondem histórias interessantes, originais e engraçadas e que, vá-se lá imaginar, também me conseguia divertir a ler.
Hoje, acredito que foi um ponto de viragem e talvez até fundamental para as escolhas profissionais que, mais tarde, haveria de tomar. É que, às vezes, é isto que falta, um clique que faça despertar neles o prazer da leitura. Por isso, não me canso de lhes dizer: leiam, malandros, leiam!